Do sítio e da saudade

    O tempo é da passagem pelo sítio de vovô. A casa imensa, que abrigava tanta gente, agora se faz vazia com a presença apenas de cinco pessoas. Tudo lembrava a passagem dos antigos moradores, as casas ao lado da casa-grande, a garagem do veículo de vovô, a casa de farinha, o tear de vovó, a sela na qual montava, acredito quando a saúde favorecia, as cercas que separavam a casa da malhada, as mangueiras, todas uniformes, ao lado esquerdo da casa, as duas fontes, os cajueiros, a pitombeira, o imensa tamarindeiro à frente da casa, e, na varanda, o banco imenso onde a família, em tempos idos, se sentava, ao longo das tardes dos domingos.    

    Do que restou na lembrança, estamos lá no natal de 1955, porque no aniversário dos meus seis anos, em abril do ano seguinte, estou sentado na varanda, sozinho, pela manhã, a olhar o tamarindeiro, silenciosamente feliz com a promessa de que a data vai ser comemorada com um pudim que mamãe prepararia. É o que me lembro, porque o mais se perdeu no baú de antanho. Não me surge à mente nenhuma cena das refeições, dos momentos de banho, das idas à cidade. As imagens se centralizam em poucos recantos, na sala esquerda da frente, onde ouvia mamãe falar, com esperança, da energia elétrica que viria de Paulo Afonso, da proibição que recaia para não irmos até a fonte que ficava do lado esquerdo da casa, de um sariguê que mamãe matou, perto da cozinha, com o uso de uma vassoura, das rolinhas que, pela tarde, se batiam na parede branca do oitão e eram salvas por mamãe, a colocá-las numa cuia, para depois, recuperadas, ganharem de novo a liberdade, e do quarto, onde três camas são ar-madas, a de Alba, a de Bosco e a minha, camas novas, colchões de junco, e a triste experiência de ter caído enquanto dormia, para riso dos irmãos, na primeira dormida na cama.    

    Essa cama ficou bem gravada. Explico. A tarde, ganhávamos cada um dos três um pão cilindro, bem graúdo, com manteiga. Alba e Bosco os devorava. Eu, bem, colocava o meu debaixo do colchão de minha cama, para, no dia seguinte, esconder o novo, e assim por diante, até que um dia, um dos dois descobriu a cena e os pães escondidos, já bastante duros, serviram de brincadeira no gramado que norteava a frente da casa, um jogando o pão no outro, e, eu calado, sem saber explicar o que me levava a guardar o pão em lugar de comê-lo, como ainda hoje, meio século depois, ainda não consigo encontrar uma explicação adequada.      

   Não moramos um ano no sítio e voltamos à cidade, numa casa alugada, depois na nossa, quando o inquilino a desocupou. O sítio de vovô ficou para trás e nele não pisei mais, contentando-me em vê-lo, da estrada, ao passar em sua frente, ocupado por outra família que o adquiriu. Depois construíram casas a sua frente e a estrada se tornou rua. Aí, então, sem ver mais a casa grande, a cabeça enfeitada de cabelo branco, aprendi, enfim, do sítio a soletrar a palavra saudade.