O homem, o burro e o livro

          É comum observar pessoas sem noção do que seja evolução moral, social ou cultural, bem como a educação, e, naturalmente, sem qualquer visão de futuro promissor, pois estes vivem mesmo é nos monturos dos dissabores de seus mundos obscuros. Tais obscuridades os deixam cegos em todos os sentidos e, assim ressentidos, sobrevivem sem rumo e sem prumo nas raias da mediocridade. Pobre, portanto, é uma sociedade que alheia a qualquer conhecimento, não tem pensamento. Aliás, não tem opinião nem vontade própria, perdendo até para os animais e, de modo especial para os burros, que, por ironia, alguns, são mais sábios do que aqueles que os chamam de burros.

          Pois bem. Um certo cidadão, casado e sem filhos, vivia humildemente, e o pouco que ganhava dos bicos que fazia, mal dava para encher a barriga, sempre vazia. Sem qualquer conhecimento, mas pensando em melhorar de vida, desejou comprar um burro, botar o coitado numa carroça e trabalhar com frete, mas como não tinha o dinheiro, deixou pra lá, até que de repente, exatamente na Rua João Dormente, achou um livro antigo com o desenho de um burro na capa. Sem saber ler, perdido ficou, mas logo observou um burro pastando, semelhante ao da capa daquele  livro. Um homem se aproximou e perguntou se ele não queria trocar aquele livro pelo burro, o que prontamente aceitou, claro. Quando em casa chegou, fez uma carroça de madeira rústica e pesada que só a peste. Quando pôs para o burro puxa-la, o mesmo refugou, relinchou e saiu correndo em busca do antigo dono, coisa que não mais encontrou, por enquanto. Seu novo dono o arrastou pelo rabo e, a cabo de muito trabalho, perguntou:

          - Pruque quando lhe butei na carroça você correu? Num tá contente em viver aqui mais eu?

          O burro nada respondeu, e, em seguida, no chão se estendeu. O dono disse.

          - Fi-da-peste, será que morreu?

          Cutucou de um lado e do outro, nada. Fez uma cosquinha em baixo do rabo do burro, que se contorceu, mas nada respondeu, levando ao burro do dono, a novamente se perguntar.

          - Ouxente, será que esse burro é banguelo, pra não responder nada que lhe progunto!

          Para se certificar de suas burrices, abriu a boca do burro e realmente percebeu que o mesmo  não tinha um dente se quer, presumindo ele, ser este o motivo para tal silêncio.

          - Uuuummmmm, tem nada não, vou lhe levar no dentista e se o caso não for muito agravista, você há de falar, pelo menos relinchar e nois se combinar. Chegando ao dentista, imaginem, o dito cujo era exatamente o ex dono do burro, que explicou.

          - Esse burro não nasceu para trabalhar, e para o resto das coisas, nele funcionar, só por meio de um guia milenar, que era exatamente aquele livro que por este burro você pode trocar. Só poderá levar vantagem quem tiver os dois. Portanto, nem eu nem você. Pois a cabrunquenta da minha mulher, mais burra do que a mais burra das burras,  pegou aquele livro e, além de rasgar, tocou fogo e suas cinzas jogou no mar. Como o burro não serve nem pra mim nem pra você, o melhor que temos a fazer, é procurar aprender a ler através dos livros, para no futuro, nenhum livro desprezar, para que não mais aconteça o que com a gente acaba de passar.

          Finalizando, o dito burro, que de burro não tinha nada, rindo ficou, pulou e pelo pasto, cabriolou e cantarolou, mangando daqueles protagonistas, que, pelo fato de terem sido mais burros que o próprio burro, haviam destruído o livro, justamente o meio pelo qual o burro trabalhava. Portanto, não pensem que pelo fato do burro ser chamado de burro, ele seja burro, pois mais burros que os burros, são todos os seres humanos que ignoram os livros. Quanto aos que rasgam ou tocam fogo em livros, pode ser considerada a classe mais desprezível da burrice, com todo respeito que tenho pelos muares.

          Portanto, meu caros amigos e diletos leitores, sem ler, não vamos a lugar algum, a não ser com a ajuda do verdadeiro burro, o de quatro patas.