Façanhas Euclideanas

Nos tempos dos governos de Leandro e de Luiz Garcia, a UDN no poder, muitas famílias deixaram Itabaiana com medo de Euclides. Ouvi de um membro de uma delas a assertiva de que as tias ficaram sofrendo do coração, porque, até em Aracaju, tomaram carreira de Euclides.

Euclides mandou e desmandou. Só não fez chover, mas chegou até subir em muro, pulando quintal, para perseguir uma senhora [o nome, omito], que ainda está viva, nos esplendor de seus oitenta e tantos anos. Já Bombina, esposa de Pita, moradora da Praça da Matriz, gozava da profunda antipatia de Euclides. Eleitora fiel e de carteirinha de Manoel Teles, seu Manoel, como, respeitosamente, chamavam, teve, certa vez, a varanda de sua casa entupida de retratos de Euclides e de Leandro, nas paredes e até no teto. Era uma época em que o muro das varandas era baixo, o portão de madeira nem fechado era, e, de madrugada, aproveitando a Praça deserta, o pessoal de Euclides pregou retratos onde bem quis e teve vontade na varanda da casa de Bombina. De manhã cedo, tinha espião bem localizado para ver a reação de Bombina quando se deparasse com a sua varanda pintada, de ponta a ponta, com os retratos de Euclides e de Leandro. Não deu outra. Lá para às seis da manhã, Bombina abriu a porta, chegou até a varanda. O espião, escondido, observava, não captando nenhum gesto de espanto em Bombina, que, desaparece na porta que separava a varanda da primeira sala, para, minutos depois, voltar com um penico cheio de fezes, e, passar, calmamente, em todos os retratos. Euclides ficou virado de raiva quando soube da reação de Bombina.

Jason Correia, que venceu Euclides na primeira eleição em que este disputou, para a Prefeitura Municipal, teve a casa, na Praça da Santa Cruz, cercada pela Polícia de Euclides, num domingo à tarde. Os tiros acabaram com o espetáculo de um circo que se apresentava na Praça, ao lado. Eu era pequeno, tinha cinco anos,  só me lembro de parte da carreira que tivemos de dar, numa tarde de chuva, pela rua enlameada que, da Praça da Santa Cruz, dava para as três casas construídas pelo dr. Gileno Costa, área, à época, conhecida como Sapolândia. No dia seguinte, Elpidio Teixeira veio buscar Jason e esposa, seus sogros, que só retornaram a Itabaiana depois que Seixas Dorea tomou posse em 1963.

Um Promotor de Justiça, que eu, já acadêmico de Direito, cheguei a vê-lo em Aracaju, - e o achava parecido com o padre Artur -, veio de mudança para Itabaiana. Euclides, imediatamente, mandou o caminhão, com os móveis, retornar a Aracaju. O Promotor não se meteu a valente. Não sei se permaneceu em Itabaiana ou se foi fixado em outra comarca. Aliás, se registre que os candidatos a deputado estadual e federal da UDN não faziam campanha em Itabaiana, com medo de afrontar Euclides. Passito, mesmo, nunca se arriscou.

Os tempos eram brabos. Meu pai, mais pessedista que católico, foi ameaçado de ser preso caso não pagasse um imposto ao Estado, que Euclides arbitrava como queria. O sargento Daniel, na verdade, Otoniel dos Santos, esteve lá em casa, antes do almoço com o recado. Alba o atendeu e eu, um pouco atrás, ouvi tudo: ou seu pai paga o imposto até às quatro horas, ou vai preso. Papai, que nunca foi de violência alguma, não mudou seus hábitos. Terminou o almoço, passou na casa de vovô Zeca e seguiu para a loja, onde tirava uma soneca. Manoel Teles o esperava. Ficaram os dois calados, as três portas abertas.  A notícia chegou ao conhecimento de amigos de papai, muitos udenistas de frequentar a casa de Euclides, que para lá, depois do almoço, se dirigiram a fim de jogar água fria na ameaça. Edson Leal, Álvaro Fonseca, Edson Oliveira, Daniel Andrade, entre outros, ficaram plantados na frente de Euclides, até que D. Sinhá ouviu a conversa e dissuadiu o marido de mandar prender papai. Foi a única recebida.

Muitos anos depois, Euclides já morto, eu, estudante de Direito, no dia de Santo Ivo, fui a Penitenciária, no Bairro América, para entrega de prêmios aos presos de bom comportamento, num ato patrocinado pelo diretório acadêmico, da Faculdade de Direito, com o nome de Santo Ivo. Estive com Fred [filho de Etelvino Mendonça] na cela onde se achava o Sargento Daniel. Fred me apresentou como itabaianense. Daniel, sentado, gestos bem calmos, perguntou de quem eu era filho. Respondi que meu pai era Jubal da loja. Ele olhou para mim e filosofou:

- É bom Itabaiana formar muito doutor para educar o povo.       

Tinha inteira e absoluta razão.