Depoimento sobre o ônibus antigo

Tivesse de colaborar com a história do ônibus entre nós, me concentraria em alguns verbetes, por ordem alfabética, a título de depoimento e modesta contribuição.

O primeiro deles seria cozinha, termo que designava a última fileira de banco, utilizado por cinco passageiros. Depois da cozinha, não vinha mais nada. Ali terminava o veículo. Não conheço a origem precisa, mas aposto como foi inspirado no formato das casas do antigamente, nas quais a cozinha era sempre o último compartimento da casa. Somente o sanitário - que, à época, era conhecido por latrina -, se situava depois da cozinha. Quem viajava na cozinha era alvo de algumas repetidas piadas: quando o cafezinho estiver pronto, me traga. Apesar de ser o último banco, o preço era idêntico. Hoje, com os ônibus, pelo menos os interestaduais, portando sanitário, deixa ser lugar para a cozinha, o que, por outro lado, faz desaparecer o termo em nível de ônibus. 

Outra palavra seria jardineira, empregada como sinônimo do ônibus. Não se dizia ônibus, mas jardineira. Encontro no Dicionário de Michaelis a sua definição: "Veículo adaptado, tipo de ônibus que se usou no interior do Brasil, aberto nos lados e com bancos dispostos paralelamente, ocupando toda a largura do carro".  A semelhança com um jardim, os bancos substituindo as plantas, - presumo - deve ter inspirado a denominação. Não me recordo de ter viajado em nenhuma jardineira, nem, ao menos, de tê-la visto assim, como descrito. O termo, ouvi muito, quando menino.

Outra denominação: marinete. Fred Navarro [Dicionário do Nordeste, p. 435] a trata como tipo de ônibus antigo, ainda em circulação, sem pontuar a característica específica. Era termo usado da Bahia a Paraíba, da mesma forma que é tratada no Dicionário de Baianês, de Nivaldo Lariú, e em Baianês de A a Z (o dicionário do falar baiano), de Dermival Rios, p. 87.

Em marinete, de propriedade, por ordem cronológica, de Jason Correia, Manoel Clemente da Rocha e de Luiz Prado, fiz minhas primeiras viagens de Itabaiana para Aracaju e vice-versa. Eram veículos lentos, se arrastando na estrada, ante as ladeiras, num ramerrame cansativo.

Nas eleições para o governo de Sergipe, em 1954, ouvi uma marchinha tendo a marinete como centro, e, a partir daí, a crítica ao adversário e o elogio ao candidato do partido. V. g.: marinete nova/ do pneu de ferro/ viva Jesus Cristo/ e Leandro no inferno. Ou, então, marinete nova,/ do pneu de aço/ viva Jesus Cristo, / e Edélzio no palácio.  

Das marinetes de Luiz Prado, duas em especial tinham apelidos: uma, o Gostosão; outra, Marta Rocha, esta última a primeira com porta automática, a encantar os meus olhos de menino. Quando foi levada à Itabaiana, o proprietário abriu as portas para dar uma volta pela cidade com quem estivesse por perto. Participei desse histórico passeio. 

Há outro termo  para o ônibus, que não conhecia: sopa. Em  Dicionário de cearés, Marcus Gadelha, p. 139, a sopa faz referência para designar o ônibus antigo, termo que Fred Navarro (ob. cit., p. 601), esclarece ser um micro-ônibus, lotação, ainda usado nas cidades do interior do Nordeste. No Dicionário de Michaelis, aparece como sinônimo do ônibus, ao lado da jardineira. Câmara Cascudo [Dicionário do Folclore Brasileiro,  p. 134], referindo-se ao ônibus, cita a  sopa e a jardineira, como referência é feita em dicionários de enciclopédias. Desconheço o termo sopa em nível sergipano.

Esta a pequena contribuição ao dicionário do ônibus antigo, abrindo espaço para outras que possam ser feitas.