Euclides e as intimações

Cada vez mais distante a figura de Euclides Paes Mendonça vai ficando, mercê dos cinquenta e três anos que afasta a realidade de sua morte. Patente, assim, uma grande verdade: Euclides não mais existe, nem há lugar mais na política itabaianense para outro Euclides. As inúmeras balas que atingiram o seu corpo, ao lhe tirar a vida, encaminharam-no para a história através do instrumento do tempo. Euclides hoje é história, história que saiu do depoimento oral para as páginas dos livros. História que vive apenas em livros e ensaios.  

Nesse aspecto, um detalhe que chama a atenção e se destaca, num ato que ninguém até hoje, antes e depois, no comando da política itabaianense, ousou fazer, nem fez, nem tem mais lugar: intimar o eleitor do partido contrário a comparecer a sua casa ou a sede da Prefeitura. Euclides assim fazia, a qualquer hora do dia, inclusive nos horários do almoço. Muitos saíram da mesa quando um policial chegava à sua casa e dizia que seu Euclides estava lhe chamando. O aviso não era só uma intimação, nem uma ordem. Era mais do que isso, representando algo que poucos se atreveram a não atender.

Antonio Sacristão, ou Antonio de Rosinha, ou, mais precisamente, Antonio da Costa, pessedista de carteirinha, foi um dos que, assim intimados, atendeu ao chamado. Não se sabe o diálogo, porque não se tratava de um tabaréu analfabeto que fosse para a casa de Euclides ser maltratado.  Na despedida, para não perder a oportunidade de dar um coice, o convidado pediu um favor a Euclides. Simples: ao mandar chamá-lo, o fizesse por um homem de verdade. A paulada caiu em Zé Penca, que levara o recado.

Outro, que comprava e revendia açúcar, não atendeu a intimação. Foi um caso raro, ousadia do tamanho da Serra. Tempos depois, seu veículo foi parado pela polícia euclideana. O comandante, ao reconhecê-lo, reclamou que nunca tinha atendido a um chamado de seu Euclides. O cidadão ouviu a queixa, a mão no revólver no meio das pernas, respondendo com frieza: não atendeu, nem atenderia, e se a polícia tivesse de fazer alguma coisa, que fizesse logo. O fato ali morreu. O intimado se revelava bem valente e com esse tipo, a intimação não funcionava.

São os dois casos conhecidos que ilustram o rol das intimações. O mais era a pessoa atender ao chamado na hora exata em que recebia o recado. Ia e se preparava para o inusitado que teria de ouvir, sem direito a contestação alguma, o receio de ser dali conduzido ao Quartel, onde, sem ordem judicial alguma, sem culpa formada, sem mandado do juiz de direito, ficaria o tempo que Euclides quisesse, além da humilhação de colocar água do Tanque do Povo para o Quartel com lata furada. Euclides era a lei e a justiça, mandando em Itabaiana desde a ladeira do Cafuz, como alardeava. Do Cafuz para baixo, a lei era do Secretário de Segurança.

A intimação do eleitor adversário foi privilégio exclusivo de Euclides, cujos treze anos, a frente da UDN local e no comando da Prefeitura Municipal de Itabaiana, foram suficientes para sedimentar uma trajetória que precisa ser estudada e analisada sob todos os aspectos positivos e negativos, tarefa que, aliás, entre os panegíricos e expositivos estudos já editados, aponta para a existência de muito mato a ser palmilhado, que se esconde lá atrás, nos tempos em que imperou tanto em Itabaiana que até o camioneta de Manoel Teles, em certa época, por uns dias, foi proibida de circular na cidade. E não circulou mesmo.

Mas, é cedo ainda para se reclamar maiores estudos. A história começa depois de muito tempo da morte. No caso de Euclides, está apenas começando.