Quem disse que jogar e brincar não são atividades sérias? Ledo engano.

Inúmeras vezes ouvimos a expressão: “Não estou brincando. Isso é sério!” E quem disse que o brincar não é?

A atividade lúdica faz parte da natureza humana. É fácil comprovar isso. Basta olhar para um bebê que, ao mamar, começa a brincar, por exemplo, com o botão da blusa de sua mãe. Enquanto mama, ele brinca e, ao brincar, vai construindo significados, ou melhor, vai “descobrindo” suas mãos, desvendando suas funcionalidades, explorando suas potencialidades. O bebê descobre que pode usá-las para pegar um determinado objeto e explorá-lo, o que resulta numa ação assimilativa e acomodativa e, consequentemente, na concretização da aprendizagem.

O brincar é a primeira experiência de autoria da criança, possibilitando-lhe fazer a experiência de tomar a realidade do objeto para transformá-lo ou de transformar a realidade, aceitando os limites que ela impõe. Isso se faz através do brinquedo ou do jogo. Para Celso Antunes, em seu livro “O Jogo e a educação infantil: falar e dizer, olhar e ver, escutar e ouvir” (2003) “o jogo é o mais eficiente meio estimulador das inteligências, permitindo que o indivíduo realize tudo o que deseja”. O autor ainda afirma que “Quando [a criança] joga passa a viver quem quer ser, organiza o que quer organizar, e decide sem limitações. Pode ser grande, livre, e na aceitação das regras pode ter seus impulsos controlados. Brincando dentro de seu espaço, envolve-se com a fantasia, estabelecendo um gancho entre o inconsciente e o real.”

Ao jogar, a criança sente alegria que, nesse caso, não é gargalhada vazia, pois tem a ver com autoria, com sentir-se uma pessoa interessante, que tem saberes, que produz, que constrói conhecimento, que aprende. Tanto Vygotsky como Piaget afirmam que na situação do jogo ocorre o controle dos impulsos, surgindo o conflito entre o que se gostaria de fazer e o que a regra impõe. Surge com isso a resignação por parte dos envolvidos no jogo, contribuindo, dessa forma, para que se entre em contato com o real, o que desencadeia a inevitável frustração que, nesse caso, é fundamental para o desenvolvimento do ser humano como pessoa. Piaget acrescenta ainda que a frustração é como um músculo, precisa ser exercitada e nada melhor para a criança do que o jogo para trabalhar, dentre outras coisas, a frustração.

Piaget estrutura o jogo em três categorias: o  jogo de exercício, que aparece no primeiro período de desenvolvimento da criança, no período sensório-motor; o jogo simbólico, no qual o indivíduo coloca significados independente das características do objeto, o principal é o de “faz de conta”; e o jogo de regra, no qual está implícita uma relação interindividual que exige a resignação como, por exemplo, corrida, carta, bola de gude, xadrez, cubo mágico, dama, genius, tapa-certo entre outros.

O jogo tem fundamental importância para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social do sujeito, porque desenvolve a criatividade, a sociabilidade e as inteligências múltiplas. Por isso, o lúdico é a “linguagem” de todos os profissionais que trabalham com criança, dada a contribuição significativa para a expressão simbólica dos conflitos internos. Assim, o lúdico dá ao terapeuta a possibilidade de conhecer a criança de forma cabal para, então, intervir e ajudá-la. Na terapia psicopedagógica é oferecido ao sujeito um espaço para que este se perceba como competente, como aquele que obtém êxito, a fim de que sua aprendizagem se desenvolva de forma saudável.

É através do jogo e do brincar que a criança vai aprendendo a aceitar e a respeitar regras e desenvolve novas habilidades, fazendo suas próprias descobertas, aumentando sua interação e integração, aprendendo a lidar com frustrações, proporcionando a autoconfiança, concentração e atenção, propiciando a esse indivíduo um relacionamento mais sadio, seguro e criativo, não só com a aprendizagem, mas também com o mundo que o rodeia dentro dos seus limites.

Na sessão psicopedagógica, procura-se não só oferecer oportunidade para a brincadeira e para o jogo, mas também para a construção de brinquedos. À medida que a criança vai construindo um brinquedo, são desenvolvidas noções de localização espacial e temporal que são vivenciadas na prática. A impulsividade passa a ser controlada, isso porque o resultado do produto fica alterado caso não haja antecipação e planejamento da ação. É no brincar que a criança constrói autonomia, organização, criatividade que são essenciais na vida em geral e especialmente nos trabalhos escolares.

Como se pode ver, brincar é sim coisa séria!