Do cavalo ao caminhão

O fato está na história. O que dele se depreende recebe o nome de interpretação, via da qual se penetra na cabeça do homem que nos antecedeu há tantos séculos nesta terra denominada de Itabaiana, para se ter idéia do que pensava e como agia. Da realidade, uma vila acanhada, pobre, uma das mais atrasadas da Província. Em contraste, o verde da cana de açúcar das Laranjeiras, o comércio extremamente avançado de Maruim, onde até filiais alemãs marcavam presença. O itabaianense se viu abafado, pensou, raciocinou, e, não teve jeito, começou a sua vida de viajante, de vendedor, montado num cavalo, estradas a cima e estradas a baixo, exibindo seus produtos. Se não tinha terras aptas a cana, se não tinha um comércio igual ao de Maruim, se nem rio navegável dispunha em suas terras mais próximas à sede da vila, a solução era a estrada, para dar vazão ao comércio que corria em seus veias.

Primeiro, então, foi o cavalo, o burro, o jegue, estrada a fora, levando produtos para a venda, trazendo produtos que a vila não tinha, desbravando o interior por um lado, por outro seguindo a trilha da costa, invadindo o nordeste até as terras cearenses, descendo até o Rio de Janeiro e São Paulo. Foi a pequenez da vila e sua pobreza que talharam o itabaianense urbano  comerciante. A feira, hoje, tão grande, o comércio tão próspero e variado, tudo isso foi plantado nos velhos tempos de vila, pelo itabaianense que encontrou no comércio ambulante o meio de se safar da pobreza que a todos estrangulava. 

Quando o caminhão chegou, o itabaianense não fechou os olhos para a novidade que se arrastava nas estradas, com capacidade para carregar mais mercadoria do que os cavalos. Aderiu ao caminhão, descobrindo a estrada que o conduziria a São Paulo, fazendo o percurso de ida e volta como se fosse um passeio, a carroceria cheia na ida, a carroceria cheia na volta, o volante do caminhão se tornando o meio de vida, a profissão, o ganha pão de todos. O caminhão, então, aos poucos, substituiu o cavalo, o burro, o jegue, se propagando, ganhando espaço, até explodir, ao transformar Itabaiana em capital do caminhão, por força de lei, editada pelo Parlamento, sancionada pela Presidência da República.

Esta a realidade que a gente vive hoje, muitas vezes sem noção do que se passou antes, porque há fatos e verdades que os livros não trazem e  as escolas não ensinam. O itabaianense que hoje dirigi caminhão, que invade as estradas brasileiras com sua coragem e pujança, é o bisneto do tropeiro que desde o século dezenove que habitava as vias estreitas para vender seus produtos, que construiu pontos de comando que mais tarde se tornaram cidades [v. g., Itabaianinha], que ia, em conjunto, para municípios baianos atrás de produtos que a gente aqui não plantava [v..g, o fumo], entre mil façanhas.

Desse para o motorista do caminhão, foi questão de tempo e de progresso, fruto da estrada de rodagem plantada, para depois receber o banho do asfalto. O motorista de caminhão não é um elemento novo, portanto. É o montador de cavalo do antigamente, que, ressuscitou com o volante na mão, para continuar, como o antecessor, a fazer história.