Apologia da mangueira

A mangueira se cerca de galhos, a derramar deles os frutos paridos. É a paisagem do final do ano, sobretudo numa cidade como Aracaju em que ainda há quintais que ostentam uma ou mais mangueiras. Indico a mangueira como a árvore que mais me atrai, que desperta minha atenção, até de motorista, quando me deparo com uma, e, admito, mexe cm minha cobiça. Ainda bem que nenhum mandamento proíbe o homem de desejar a manga da mangueira do próximo. Senão, estaria pretinho de pecado.

Muitas vezes pensei que fosse a parreira dos meus tempos de menino, sempre distante, pela falta de acesso às uvas, a uma sequer para fazer remédio, a minha fruteira predileta. Depois, passei para o umbuzeiro, na certeza de que o Céu deles está cheio. Agora, chego a conclusão que a fruteira de meus sonhos e meus desejos é a mangueira. Um amigo, a quem confidenciava a instabilidade de meus sentimentos e de minhas taras, me aconselhou em ter casa de quintal, para plantar parreira, umbuzeiro e mangueira, levando em conta que a lei da monogamia não estende seus tentáculos no mundo das fruteiras, permitindo que o homem ame duas, três ou mais fruteiras ao mesmo tempo. Graças a Deus. Estou a analisar a sugestão.

O valor da mangueira,  - seja nova, ainda pequena, seja velha, a se elevar mais do que a altura de uma casa, se cercando de galhos que se assemelham a saia rodada e comprida das baianas que vendem acarajé, a proporcionar sombra de todos os lados, - se materializa na manga, o que, de logo, coloca em minhas mãos uma faca bem afiada, a fim de cortá-la e degluti-la, porque para isso é que a manga foi feita, num momento de excelente inspiração do Criador, suavizando a aspereza do clima quente com uma fruta que, reunindo todas nascidas em terras européias, dá de chinelada e de tamanco, numa goleada que supera o 7x1 que a Alemanha deu na precária seleção do Brasil. E deu bem dado, porque a seleção da CBF, que não é nossa, estava precisando.

Fosse prefeito, mandaria plantar mangueiras nas ruas, avenidas, nas praças e nos parques, mangueiras por todos os lados, para que crescessem com tronco largo e imponente, como as que vi no jardim zoológico de Teresina, mangueiras que um homem só não abraça. Mangueiras que se tornassem úteis, como as que tem na praça em frente ao Palácio do Governo, em Maceió, as mangas dando sopa e a meninada a jogar pedra para aproveitá-las. A gente, aqui em Itabaiana, que jogou tanta pedra nos oitizeiros da Praça da Matriz e do lado direito da Igreja, para derrubar oiti, não ia perder uma só pedrada.

A minha dúvida, um tanto atroz, não há como tapar o sol com a peneira, se prende a necessidade de saber se há mangueiras no Céu. Alimento a esperança positiva. Neste sentido, espero, daqui a uns quarenta anos, quando a minha  vez chegar, ocupar um bom sítio no Céu, cheio de mangueiras, para que delas, pelo resto dos tempos, na eternidade que a morte proporciona, esteja a cuidá-las, cortando os galhos secos, me aproveitando da sombra que provoca para reuniões com almas gêmeas e amigas, além de alguns anjos travessos, saboreando a manga o dia inteiro, regando a terra ao lado para que suas raízes se aprofundem o máximo possível, mangueiras que lembrem às do sítio do meu avô, que, impiedosamente, foram cortadas. Se não puder ser um sítio grande, que seja um pequeno, mas que tenha mangueiras. E, aliás, de todos os tipos. É o pouco que peço. O muito que espero. Amém.