A situação atual do cabelo

Na cadeira, enquanto o barbeiro - insisto na terminologia do meu tempo de menino - passa o pente e a tesoura na parte saliente do cabelo, a fim de cortar as mechas que se avolumaram, guardo a impressão de que ainda tenho na cabeça algum resto de capim que me fornece a sensação de que não atraquei, completamente, na condição de careca. É o consolo de quem tem algum cabelo,  embora em dosagem bem pequena. Vou apreciando o chão ficar salpicado de cabelos brancos, enquanto o barbeiro, aqui e ali, continua aparando o fio mais longo do capim, ainda existente. Depois, quando o corte está encerrado, o barbeiro traz o espelho e o coloca na parte detrás da cabeça, vem o sentimento de pesar, na constatação de a praça já se encontrar despojada da capineira de antigamente, apresentando ramificações de destacadas fendas na parte superior, enquanto na frente, triste constatar, o cabelo, ao avançar, vai desaparecendo, a testa ficando maior ante a completa e total ausência do capinzal de décadas atrás.

A foto, de frente, escandaliza a notícia, porque o cabelo, ou a sobra do que restou, quase não aparece, não por se esconder, mas por não mais subsistir, a sensação sempre presente de que cada fio, que teima em sobreviver, se tornou fino e leve, dispensando o pente ou a escova, sendo bastante o passar a mão para a rebeldia de algum fio se acomodar devidamente no seu lugar, até que outra rufada de vento o faça retornar a posição de espanto, deixando-o todo eriçado. 

Vivo o drama de não ser ainda careca, portando alguns pontos de cabelo, esbranquiçados, com destaque para os diversos caminhos na pequena mata remanescente que a erosão dos tempos criou, como se um bom lenhador tivesse trabalhado com seu machado para excluir da paisagem todas as árvores anteriormente erguidas. No aspecto, invoco um poema de Machado de Assis para retratar a exata  situação por que passo. Ou seja, nem careca, nem portador de extensa cabeleira. Sou, então, a situação intermediária entre o dia claro e o alvorecer, a assistir, diariamente, o capim desaparecer, acentuando a paisagem desértica, na exibição de um chão exuberantemente liso, que não guarda o menor sinal de nele ter florescido extenso capinzal.  

Seria, então, o primeiro sinal de que o homem, depois de certa idade, volta a ser menino?