A Serra [de Itabaiana] me foi roubada


Em julho último, retornando de viagem de férias, tive um susto terrível, no outro dia, de manhã cedo, quando voltei os olhos para o leste e não vi a Serra, ou seja, a de Itabaiana. Então, estupefato, as mãos erguidas no ar, como se estivesse no palco de um teatro, exclamei a triste verdade: me roubaram a Serra. É que, infelizmente, algum desafeto, para me chatear, levantou um edifício entre o meu apartamento e a Serra, lá no fundo. É verdade que, se não fosse torcedor do Flamengo, acostumado a testes terríveis na sua caminhada pelo Brasileirão, na busca de fugir do rebaixamento, eu teria caído duro no chão, mortinho da silva. 


A Serra fez parte da minha paisagem, alvo de meus olhares de itabaianense sempre saudoso de suas plagas, engaiolado num apartamento, a brincar, com a máquina fotográfica, nas manhãs de folga e de sol, com a paisagem, colocando a Serra como pano de fundo do bairro 13 de Julho, ou, no final da tarde, a captá-la sob os reflexos dos últimos raios solares do dia, a Serra toda amarelada, estendida no chão como uma gigante mulher deitada com a enorme barriga voltada para o céu. Felizmente, as fotos estão guardadas, porque a paisagem de antes já não existe mais, porque um edifício surgiu entre o meu apartamento e a Serra.


Triste realidade. A Serra, que se constituía na grande vantagem do apartamento, deixa aparecer, agora, apenas um pouco da parte norte, estando o mais totalmente escondido em decorrência do edifício erguido. Ora, deveria ter uma lei municipal proibindo construir edifício quando um itabaianense, da sua morada, avistasse a Serra, a fim de não tapá-la. Poderia também ser uma lei estadual ou federal, até uma recomendação da ONU, ou um encíclica papal. O que não poderiam é, aproveitando a minha ausência do Aracaju, levantarem o edifício, andar por andar, para me tapar a Serra, como se fosse aviso: se quiser ver a Serra, vá para Itabaiana.


Logo a Serra que dava o sinal de chuva quando eu era menino. Mamãe chegava até a calçada do oitão lá de casa, dirigia o olhar para a Serra, as nuvens escuras pairando em cima dela, a esta altura o seu verde abafado pelo cinzento das nuvens, e dizia: Vai chover. E chovia. Então, a Serra assumia aos meus olhos uma posição de ser algo colocado aí pelo Criador, dando sinais da chuva que ia desabar sobre Itabaiana, porque desabava mesmo. Cresci, assim, olhando a Serra para saber se teríamos ou não a chuva que fazia a água correr entre o paralelepípedo das ruas e o das calçadas, dando ensejo ao surgimento de um minúsculo rio, onde sempre tive vontade de colocar um barco, para aproveitando a corrente favorável, viajar por mares até então desconhecidos.


Quando, finalmente, morador do Aracaju, encontrei o local ideal para viver, vendo a Serra todo santo dia - não todos, evidentemente, porque nos dias de chuva, aqui ou lá, ou quando um nevoeiro se colocava entre as duas cidades, a Serra não dava as caras -, sou vítima de um motim deste quilate, mesmo estando com o pagamento do IPTU em dia. Acho que faltou um pouco de consideração da municipalidade aracajuana ao um morador que tanto enaltece a cidade, ao permitir a construção do prédio que me privou de, no recinto do meu lar, pela manhã e pela tarde, ver a Serra, como se fosse uma bênção divina e um colírio para meus olhos e coração.


Não vou reclamar, não vou expedir nenhuma nota de protesto, nem criar um problema diplomático que possa arranhar o relacionamento das duas cidades. A vida prossegue, é verdade, chora-se e enterra-se o defunto, mas, não posso esconder, dá uma saudade danada quando passo pelo compartimento do qual via e fotografava a Serra, na esperança de que o edifício fosse apenas um pesadelo. Decepção danada. O edifício existe, a Serra ficou escondida, e, eu, bem, .. fico calado, para não dizer mais nenhuma outra besteira.