Antônio Melo, a música e a praça

        Antonio Melo amava a música e a praça. A música, aliás, era um amor que encontrava raízes na infância, quando aprende a solfejar e depois a tocar, sempre o saxofone tenor. A praça, porque ali morou mais de cinquenta anos. Conseguiu a proeza de juntar os dois amores no mesmo laço. De saxofone na mão, ia para a praça, colocava o pé num banco, bem em frente a sua casa, e tocava. A praça se enchia do som de sua música, num treino para não perder o hábito, único músico – dos que conheci e tive notícia – a usar a praça para as suas solitárias apresentações. Com o saxofone, se transformava no músico de dedo rápido e de sons alternados. Ninguém mais ousou usar a praça para seus treinos. Só Antonio Melo, como se a praça fosse exclusivamente dele.

        Uma vez, quando o sol se escondia no poente e recolhia sua luz, ouvi dele a confissão de amor à praça. Itabaiana se resumia a praça. Tirasse da cidade tudo, menos a praça. E sentado num dos bancos, sob a proteção de um frondoso oitizeiro, riu o riso dos felizes, por amor a praça e a música, os dois sob seu domínio completo. Um, o instrumento, que o exteriorizava, que ele tocava e segurava, guardado em sua casa, e daí para a banda, em suas mãos, nos velhos tempos, para cada ensaio e depois no retorno; a praça, onde encontrava lugar e espaço para fazer seu saxofone dar à luz a sons que todos, ao passar, se acostumavam a ouvir.

        Antonio Melo sobreviveu a todos os grandes e velhos músicos. Foi a ponte que uniu o passado ao presente de pouco tempo atrás. Esperou todos morrerem para, depois, morrer também, porque não podia ser eterno, embora, muitas vezes, parecesse. Quando a Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, da qual foi o último guardião, muitas vezes se recolhia por falta exata de músicos, Antonio Melo fez uma farda para tocar na banda do ginásio. Era bonita a paisagem: em meio à meninada, aquele senhor, com mais de setenta anos, todo fardado, tocava seu saxofone, porque a música lhe impregnava alma e corpo, e ele precisava tocar, tocar, agora ao lado de crianças com idade de serem netas e bisnetas, - que não as teve -, colocando para fora os sons que a boca, abarcando o saxofone, produzia.

        Saudoso Antonio Melo! Um AVC lhe tirou a força das pernas. Não mais caminhou, nem se sentiu inspirado para tocar. Mesmo assim, conduzido por mãos amigas, testemunhou a inauguração da sede nova da Filarmônica Nossa Senhora da Conceição, o riso na boca, entusiasmado em ver a velha sede ganhar moderna feição. De sua morte soube, por telefone. Estava em viagem fora de Sergipe. Não pude segurar na alça de seu caixão, nem vê-lo em seu último leito. Estivesse por aqui, teria sugerido colocarem o saxofone na urna funerária, sepultando-os na praça, numa homenagem à música e a própria praça.