T21: relato de uma mãe muito especial

Quantas surpresas a maternidade pode revelar - Síndrome de Down, um cromossomo a mais é mais contagiante.

     Era fevereiro de 2011, estávamos há 5 anos tentando engravidar, resolvemos encarar um processo de fertilização in vitro (bebê de proveta). Uma montanha russa de emoções, hormônios e mais hormônios e muitas orações a Deus para que tudo desse certo. Estávamos no shopping quando o celular de meu marido tocou, era nosso médico “Murillo e Alynne, temos ótimas notícias, o resultado do Beta Hcg (exame que detecta gravidez) deu positivo, ou melhor, deu muito positivo, pelos números não temos só um bebê não.”

      Não cabíamos em nós, estávamos grávidos. Era um sonho se tornando realidade. Íamos ser pais de gêmeos. Naquela mesma tarde corremos até clínica para o exame de ultrassom e para melhorar o que já estava perfeito uma grande surpresa: tinham 3 bebezinhos dentro de mim. Só pensávamos no quarto, no carrinho gigante. Trabalhão? Que nada, a gente não pensava nessa parte nada fácil (risos). E ali tudo se materializava.

      Eu, particularmente, não pensava em cor dos olhos, cabelos, menino ou menina. Nada disso importava, queríamos ser pais. De certo tínhamos os nomes dos nossos bebês, fossem meninos ou meninas.

      Na ultra de 8 semanas lá estávamos nós extremamente radiantes para ouvir os coraçõezinhos de nosso trio, mas, Papai do Céu não quis assim, foi uma sensação terrível a notícia de que “um de seus bebês perdeu os batimentos cardíacos”. Eu estava aos prantos, mas, o médico foi extremamente acolhedor e disse: não chore assim, essa dor vai passar. Você precisa ser forte porque tem dois bebezinhos aí dentro que precisam muito de você para crescer.

      Daí para frente eu fui uma grávida que precisou ficar “em berço esplêndido”, repouso absoluto até a chegada dos meninos.

      O tempo passou e em 26 de agosto ao meio dia meus meninos resolveram vir ao mundo, prematuros, mas, com bons pulmões o que nos deixou longe de uma UTI. Bernardo e Guilherme. Meu parto foi uma festa, rodeado de amigos queridos que se tornaram nossos compadres. Sim, os dindos trouxeram Bê e Gui ao mundo, a dinda disse “quem eu pegar primeiro vai se chamar Bernardo” e lá vem Bê ao mundo, curiosidade: o Gui chorou ainda dentro de minha barriga quando o irmão saiu e um minuto depois foi a vez dele. Que momento ímpar, vi o milagre diante de meus olhos. Estávamos emocionadíssimos.

      Os médicos já haviam notado a alteração confirmada pelo neonatologista, mas, os meninos estavam bem foi então que eles resolveram nos contar sobre Gui mais tarde com todo amor que já nutriam pelos meninos. Com isso, uma médica e uma enfermeira desavisadas do ocorrido, mas, tecnicamente muito preparadas nos recebeu na Unidade Intermediária (Gui nasceu com 1.800kg e precisava ganhar peso internado), eu disse, tecnicamente preparadas, mas, humanamente faltava muito. Não sei se existe um jeito certo, mas, sei que existe um jeito humano de dizer a um pai e a uma mãe que acabou de parir que seu bebê tem Síndrome de Down (SD) ou Trissomia do Cromossomo 21 - T21.

      Não fomos acolhidos por aquelas profissionais, não tiveram cuidado nas palavras, falaram em criança doente, criança incapaz, criança com problema.

      Mas, diferente de muitos pais, a gente sabia de que “alteração cromossômica” elas falavam. E, se meu filho não tinha doença cardíaca e/ou respiratória por causa da SD (o mais comum é que bebês com T21, nasçam com estas comorbidades) eu poderia sim pegá-lo no colo e amamentar. Elas disseram que não porque ele não teria forças para sugar e me perguntaram em voz alta se eu não estava entendendo que meu filho era DOENTE. Oi??? Saiam da minha frente, vou amamentar meu filho!

      E, Guilherme, desde aquele momento surpreendeu, sugou sim, e eu que estava tão nervosa que mal senti aquele primeiro momento mágico descrito a mim depois pelo meu marido.

      Eu chorava e o amamentava. E não queria deixar meu pequenininho ali com aquelas pessoas que não acreditavam nele. Mas, era preciso. Ele precisava “engordar”. Dia da alta, que dor gigante ir pra casa só com Bernardo que estava ali tão frágil e tão necessitado de nós também. E desde aquela manhã nosso desafio diário teve início, eu não tive “resguardo”. Ia vezes ao dia para a maternidade amamentar Gui e voltava pra amamentar Bê. Em meio a mamadas artificiais.

      Quinze dias depois a tão sonhada alta hospitalar, Guilherme havia atingido os 2kg definidos no protocolo e, alguns profissionais vieram até nós e disseram: “olha, eles são gêmeos, mas esse é diferente. O Bernardo vai sentar primeiro, vai falar primeiro, vai andar primeiro e pode ser que o Guilherme demore ou não faça nada disso. Oi???? E é uma sentença de incapacidade é? Meu Deus, quantos absurdos ouvimos.

      Mas, só ouvimos e deixamos sair de nossos ouvidos. Claro que estávamos assustados, com medo da aceitação porque bem sabíamos como algumas pessoas olhariam nosso filho, e pai algum quer que olhem feio pro seu filho não é verdade?!

      E, daquele dia da alta pra frente Alynne e Murillo resolveram que nossos filhos gêmeos seriam cuidados como qualquer outro bebê, sendo que procuraríamos desde já profissionais para nos ajudar a estimular Gui brincando, e, como a condição de saúde de Guilherme permitia, não iríamos de imediato bombardear o guri de terapias porque com ele o processo poderia ser mais suave, porém, não menos intenso.

      Que gratidão a Deus!!!! Me recordo de apenas um dia, logo após a chegada de Gui em casa, ter olhado pra ele com medo do mundo e ter chorado. Com medo do que meu filho poderia ser. Com medo de como as pessoas olhariam pra ele. Chorei, chorei muito. Me permitir chorar. Não era luto ou despedida, era um choro de esvaziamento de qualquer medo porque ele tava ali com aqueles olhinhos vivos me olhando e me amando.

      Pedi perdão naquele momento ao meu filho. Pedi perdão a Deus por toda bobagem que eu havia pensado. O peguei em meus braços, beijei tanto, o cheirei tanto e olhando pra ele disse “meu amor, mamãe, papai, seu irmão, estão aqui com você para tudo. Mamãe te ama tanto que chega doer. Perdoa a mamãe ter sido boba e ter sentido medo. Eu amo você filho. E se Papai do céu perguntasse como eu te queria, se eu queria te trocar, eu diria a Ele: não meu Deus, outra criança não seria o meu Guilherme”.

       E hoje com o passar desses 9 anos, sou grata ao universo pelos meus filhos e por tudo que eles me ensinam. Sou grata por Guilherme ter Síndrome de Down e ter me oportunizado como mãe e como profissional conhecer tantas realidades.

      Fácil, nenhum dia é fácil. Cada ano um marco no desenvolvimento dele, vencendo suas próprias barreiras. Mas, tornamos prazerosos, mesmo com todo cansaço e com toda dedicação mais intensiva ao Gui pelas necessidades de acompanhamento.

      Por fim, temos um garotinho inteligente, que sabe planejar as coisas, que compreende tudo, que não gosta muito de estudar, mas que adora viajar, jogar bola, um guri organizado e com uma memória incrível. Bem diferente, da criança que queriam nos sentenciar.

Por:

Alynne França.

Mãe dos gêmeos mais incríveis do meu mundo e da menininha mais fantástica que já conheci.