A inteligência de um matuto

      Não é segredo pra ninguém, que os Itabaianenses sejam um dos povos mais inteligentes do mundo. Não por acaso, o número de empreendedores de sucesso nacionalmente conhecidos, é de Itabaiana, a exemplo de: Paes Mendonça, Oviêdo Teixeira, Arrojado, Fefi, os Peixotos, os Barbosa e tantos outros Itabaianenses que demonstram sua aguçada inteligência no dia a dia de suas atividades profissionais e empresariais. Com os Itabaianenses não há tempo ruim, e quando eles botam uma coisa na cabeça, vão atrás, lutam e conquistam seus objetivos. Foi o que fez, por exemplo, Zé de João de Tonho de Pedro Gago de Zefa de Maria Benta.

       Desde criança, o sonho deste cidadão, residente na beira da nascente do Rio Jacarecica, entre o Pinhão e as Caraíbas, no município de Itabaiana, era ter um boi. Para todo canto que fosse, assim que encontrava um boi, admirava, esquecia o tempo e até conversava com o mesmo. Assim ele cresceu, casou, teve seus filhos, mas nada de adquirir seu tão sonhado boi, pois até tinha como adquiri-lo, mas não tinha o pasto da forma como desejava. Animais mesmo, só as galinhas de sua esposa, que servia para botar ovos, criar novas ninhadas, ou ir para panela quando estavam gordas. Certo dia, ao amanhecer, Zé de João de Tonho de Pedro Gago de Zefa de Maria Benta, sentou-se embaixo de um pé de quixabeira no fundo da casa e, vendo as galinhas de sua esposa ciscando, disse:

     -Para que tanta galinha. Tem mais de quinze. Não era melhor no lugar de umas duas ou três galinhas destas, um boi.

     Nisso, uma das galinhas passa em frente a ele, olha, cisca e canta (cocoricó).

     -Cocoricó, né. Vou lhe trocar por um boi, sua galinha poedeira.

      E saiu na carreira atrás da inocente galinha, que de tão gorda que estava, cansou e ele a agarrou, amarrou pelos pés e comunicou a mulher o que pretendia fazer.

     -Mulher, vou trocar essa galinha por um boi.

    -Tu tá ficando doido é? Quem é que vai trocar um boi numa galinha? Só se for maluco que nem tu. Homem, tome juízo e acabe com esse negócio de ter um boi. Se não tu vais endoidar e endoidecer a gente.

    -Pois eu lhe digo, que se eu não trocar essa poedeira por um boi, eu me viro numa galinha, num sabe.

    -Vire essa boca pra lá, homem. Que de galinha aqui tá cheio.

    Sem mais conversa, o dito matuto trocou de roupa, calçou os roló de couro cru, botou o chapéu de palha na cabeça e com a galinha embaixo do braço, se mandou para Itabaiana, chegando na cidade de carona com o Sr. Bartolomeu Carvalho Peixoto. Encontrou com Arrojado, que já foi logo lhe oferecendo cem cruzeiros pela galinha para fazer um pirão. Ele não vendeu. Mais adiante, encontrou Milton Sobral, Carlinhos da Madeireira, Taurino, Almeida Bispo, Zé Elson e outros, tomando um cafezinho na Kiola. Também não vendeu a tão cobiçada galinha.  Na Center Lanches, enquanto tomava um café na companhia de Messias Peixoto, Adelson Peixoto e Josias Peixoto, chega Ricardo Passos e seu irmão Zé Wilson, querendo comprar a galinha.

    -Não vendo. Daqui ela só sai na troca por um boi.

    Seguiu em frente pela Rua Barão do Rio Branco e ao passar em frente a gráfica de Fefi, este gritou.

    -Ou Guaxinim, quer quanto pela galinha?

    -Vendo não, Fefi. Estou querendo trocar ela por um boi.

    -Trocar uma galinha por um boi? Já vi essa história antes. Mas onde gota serena você acha que vai trocar essa galinha por um boi?

    -Estou pensando em ir nas trocas de animais, pra ver se troco.

   -Olhe, nas trocas daqui, não aconselho a ir. Agora, um lugar onde você poderá trocar essa galinha por um boi, é lá em Lagarto.

    -Em Lagarto, Fefi?

    -É. Lá eu tenho certeza que você consegue trocar. E digo mais, não é em qualquer boizinho não. É em boi dos bons, daqueles bem pontudos, que só tem lá.

    Tomando os conselhos de Fefi, o matuto pegou o transporte até a cidade de Lagarto e ao chegar na feira de animais, já deu de cara com um boi, pertencente a um turco, daqueles turcos que dão nó em pingo d'água. Arrodeou o dito touro três vezes, enquanto o turco dono do boi, lhe observava. Se aproximou do matuto Itabaianense com sua galinha embaixo do braço, e disse:

    -O boi é pra vender. E é dos bons, raça pura.

    Ele continuou rodeando o touro e, ao emparelhar com o turco, disse:

    -Quanto é o boi?

    -Dois mil cruzeiros.

    -Quer trocar por essa galinha?

    -Você está ficando doido, é? Mas, quanto está pedindo pela galinha?

    -Cinquenta cruzeiros.

    -Podemos trocar. Você me dá mil novecentos e cinquenta de volta, que a troca está feita.

    -Nada disso. Só troco um pelo outro, sem nenhum centavo de volta.

    -Você está doido. Como peste é que eu vou dar um boi no valor de dois mil cruzeiros, numa galinha que só vale cinquenta, um pelo outro. Só se eu tivesse doido. Uma troca dessa, nem na China.

    -Pois eu digo que troca, e vou lhe dizer porquê.

   -Pois diga, que eu quero ver eu fazer uma troca desgraçada dessa.

   -Seu boi é capado. Portanto, não dá mais resultado. Velho e gordo, passa o tempo todo deitado. O que esperar de um velho gordo deitado e lacrimejando como ele está. Isso é ansiedade e stress. Do jeito que ele está, pra dar um tango lá rumano e morrer, é num instante. Já a minha galinha, não. Nova, sabida, corada. Em cada postura, ela bota cinquenta ovos. Cinquenta ovos bem deitados, nasce cinquenta pintinhos e cinquenta pintinhos bem criados, se transforma em cinquenta galinhas como essa. Todas vendidas a cinquenta cruzeiros, dá exatamente dois mil e quinhentos cruzeiros. Portanto, você tira os dois mil cruzeiros, que é o valor do boi, e ainda lhe sobra quinhentos cruzeiros. Uma troca dessa, a vantagem é toda sua. É ou não é?

    Diante dos argumentos do matuto Itabaianense, o ardiloso comerciante turco, pensou, matutou e falando consigo mesmo, dizia (homem, vá que esse boi véio, gordo como está, dê um tango lá rumano e morra de repente. Eu vou aproveitar e ficar com a galinha, pelo menos, como ele disse, o lucro está garantido). Feita a troca, Zé de João de Tonho de Pedro Gago de Zefa de Maria Benta, voltou para Itabaiana feliz da vida com seu belo e tão sonhado boi, que aliás, continua vivo e reproduzindo, apesar de ser capado. Quanto ao turco, depois dessa troca, se aposentou e está esperando a galinha pôr os ovos, para depois deitar, esperar nascer os pintinhos, crescerem, se tornarem galinhas e vender, para então, conseguir tirar o valor do boi, dois mil cruzeiros.

    Se os caros e diletos leitores gostaram dessa história, a mesma faz parte de outras tantas, tão engraçadas como esta, que ilustram um dos livros de minha autoria, cujo título é exatamente, A SABEDORIA DO MATUTO.