"... Se preocupe não, todo mundo faz ..."

        O pai dirige seu automóvel com o filho ao lado. De repente o carro entra na contramão. O menino se assusta e diz: – pai, não é proibido entrar aqui? – Tem nada não, filho, todo mundo faz isso. Só estou dando uma “roubadinha” para encurtar o caminho. Fim de semana, ele leva a família para almoçar fora. Restaurante de luxo, comida boa e cerveja bem gelada. Toma umas três, mesmo sob o protesto da esposa que diz: – “home, tu vai dirigi, olha a lei seca!”. Não dá importância, como afronta, toma mais uma, para rebater. Na hora de pagar a conta, olha o valor R$70,00. Chama o garçom e diz: “quero uma nota fiscal de R$150,00, tire como sendo almoço de negócio e em nome da empresa. – Sim, ia esquecendo, bote a data de quarta-feira”. E, arremata para todos da mesa escutar: “lá na firma todo mundo faz isso”. No caminho de casa há uma “blitz”. O guarda manda parar. Ele percebe-se logo que está embriagado, “ziguezagueando” na pista, além de todos os ocupantes do veículo não usarem o cinto de segurança. Mas o motorista, muito esperto, antes de parar, diz: – mulher, tira “deizinho” aí, ligeiro, ligeiro, que é para a gente dar a esse guarda, se não ele vai encrencar. “Se preocupem não, é normal todo mundo faz”. Parece tudo muito natural. Quem ousa contestar? Ficam todos calados. O Juninho, imagina o pai, é uma criança, portanto não vai entender nada disso.

        Porém, enquanto isso, o Juninho está pensando: “é, este meu pai é muito inteligente mesmo. Ele tem uma solução para tudo”. O tempo passa, o menino cresce, agora é adolescente ou, como chamam por aí, “aborrecente”. Momentos de contestação de valores, de socialização complicada... e, coisas estranhas começam a acontecer. Os primeiros sintomas são pedidos do filho, como, por exemplo, “Paê” preciso de grana para comprar um livro de “javanês”, somente duzentinho, exigência da Facul. O pai fica em dúvida, por nunca ter ouvido falar e, naturalmente por não conhecer a tal língua. (na verdade ela não existe). Mas, está tudo diferente mesmo, deve ser invenção destas escolas modernas e libera o dinheiro. Afinal são apenas R$200,00. Percebe também que nunca mais o filho mostrou-lhe o boletim de frequência e as notas da escola. Ah! Ele deve estar mostrando à mãe. Todavia, outro dia ficou muito preocupado, pois mesmo sem ter liberado a chave do carro, percebeu que durante a noite alguém saiu nele, já que estava sujo de barro e cheirando a bebida. Será? Será possível que o Juninho esteja fazendo isso comigo? Eu nunca agi assim com o meu pai. Meu Deus será possível? Vou perguntar à mãe dele e aproveito logo para indagar também sobre o boletim. As duas respostas o deixam perplexos e arrasados. Certamente ele estava falsificando as assinaturas deles no boletim e à noite tirou furtivamente o carro. A coitada da mãe, para não criar clima, até que tentou abafar. Mas, não foi possível... Ele fica muito triste e alega: como isso foi acontecer logo comigo? Fiz tudo por esse menino. Coloquei nas melhores escolas, dei-lhe dinheiro para comprar as melhores roupas e os melhores brinquedos, só ensinei coisas boas, ele nunca me viu roubando ou enganando ninguém... Ô meu Deus! O que vou fazer? E insiste para si mesmo. Só procurei dar bons exemplos, sempre fui um homem honesto. Que coisa horrível. Que tristeza…

        É, amigo, realmente é um “problemão”, mas, “se preocupe não”, seu filho deu apenas uma “roubadinha” no seu carro para fazer um “rolé”. Isso é normal, todo mundo faz. Ah, ele bebeu? Ih! É verdade, ele também é menor e não tem habilitação... “se preocupe não” o guarda ainda é só “deizinho”. Sim, mas você não sabe de onde veio o dinheiro para a bebida, a festinha e o guarda? Sabe não? Lembra-se do livro de “javanês?”. Mas, “se preocupe não”. Todo mundo faz. Só um aviso, querido. Seu filho poderá ser um advogado, um Juiz, um comerciante ou político. É, ele pode ser um prefeito, um deputado, ou até um presidente da República, já pensou? “Se preocupe não”. Ele vai lembrar direitinho das suas lições: “roubadinha”, superfaturamento, propina. Afinal, todo mundo faz.