Rua do sol, Itabaiana

        A Rua do Sol, aos meus olhos de menino, parecia larga e enorme, com a vantagem de ser calçada a paralelepípedo. Na lembrança mais remota, tenho para mim que vislumbrei a presença de uma palmeira, perto da entrada para o Beco Novo. Não me protege a certeza. Acho que, na chegada a Itabaiana da imagem de Nossa Senhora da Aparecida, em meio aos enfeites colocados, meus olhos guardaram a visão da palmeira. Assalta-me a dúvida. De concreto é o canteiro, em quatro partes, no meio da rua, no qual só uma planta, parecendo uma margarida, pelas pétalas, cinco ou seis, brancas umas, vermelhas outras, lá resplandecia e resistia aos nossos ataques.

        Um dos canteiros, que ficava bem em frente à minha casa, foi arrancado. Uma tragédia apressou-lhe o final. Um caminhão, ao sair da Rua das Flores para entrar na Rua do Sol, volante duro, ou motorista inexperiente, subiu a calçada da casa vizinha, de seu Nicolau, matando duas verdureiras, mãe e filha, que vendiam alfaces, coentro e tomates. Me lembro do sangue na calçada. Não vi as vítimas. O certo é que piorou o cerco de mamãe, a manter a gente dentro de casa, o receio de outra tragédia. A retirada do canteiro daria ao motorista maior espaço para a sua manobra. Não se registrou mais nenhuma morte. Mas, a das duas verdureiras não se despregou de minha mente.

        O canteiro excluído foi captado na foto de uma prima, de bico na boca, chorando, no meio do único tipo de planta ali fincada. Lá adiante, na frente de uma das casas, d. Maria de Firmino do Fosco apreciava a cena da luta de minha avó para manter a neta alegre – o que não conseguiu – durante a foto. A máquina captou o choro, mantendo vivo o canteiro, antes de sua retirada.

          Depois, acho que na década de setenta do século passado, a Municipalidade arrancou os três canteiros restantes. A Rua do Sol ficou ainda mais larga da Itabaiana daqueles tempos. O sobrado, onde o coronel Sebrão, morara, para mim, alto, pareceu a tia Mariah, depois de trinta e seis anos afastada de Itabaiana, que era baixo, ela destacando que, quando criança, o achava imenso.  Bom, eu ouvi a sua confissão, e, depois, quando os janeiros me foram chegando, atraquei na mesma conclusão: a Rua do Sol não me parece mais larga e comprida. É certo que as calçadas não avançaram pelo espaço da rua, mas algo me alerta que a minha visão de menino estava errada. Aí lembrei da observação de tia Mariah.

        A Rua do Sol é ponto alto de saudade. Ponto e espelho, simultaneamente, a me transpor para o passado de mais de meio século, palco de brincadeiras, corridas e quedas. Pudesse, mandava erguer uma sepultura com um epitáfio singelo: Aqui jaz a minha infância. Pode parecer estranho, mas é o que sinto quando por lá passo, tentando ver brincando em suas calçadas o menino alegre que fui.