O Natal, a Feirinha, as Lembranças

    O Natal era simples e se limitava a uma praça, onde tudo se concentrava. O primeiro que me vem à mente, bem disperso e bem rápido, foi na Praça da Matriz, ainda sem canteiros e sem árvores. Estou ao lado de mamãe e papai. A imagem de meus dois irmãos não vem à memória. Aponto o ano: 1954. Eu tinha exatamente quatro anos. Só a onda de Zeca do Vinagre me fica gravada na cabeça.         

    No ano seguinte, morando no sítio de meu avô materno, no fundo do Canto Escuro, gripado ou resfriado, não saí de casa. Papai chegou da feirinha com Bosco e me deram uma bola de soprar, bola bonita, alaranjada, que me deixou sumamente feliz.         

    Já o de 1957 me vem à tona por um fato singular. Foi nesse dia, um domingo, que o Botafogo goleou o Fluminense por 6x2, notícia que Quinho, na feirinha, transmitiu a papai. Não fosse a conquista do campeonato carioca pelo Botafogo, o Natal de 1957 ia para as cucuias do esquecimento. A notícia dada foi tão marcante que me ficou sedimentada. Não há como ler algo a respeito que não surja diante de mim, eu segurando a mão de papai, no meio da multidão que encharcava a Praça da Santa Cruz, onde a feirinha já se desenrolava.         

    Depois, eu descobriria a liberdade de andejar sozinho por toda a feirinha, observando tudo, a onda, os dois trivolis, os balanços, as barcas, de crianças e adultos – em uma delas, no ano de 1959, exagerei na puxada da corda, e, na saída, regurgitei o caju do almoço, fato que me fez, a partir daí, só olhar os barcos, que, nas mãos de alguns, tocavam nas folhas dos fícus lindeiros -, os carrinhos de criança, os carrosséis, etc. e etc.         

    E, na liberdade, veio a roleta dos times de futebol, onde arriscava os tostões que portava, saindo do jogo quando recuperava o dinheiro perdido, que, afinal, se destinava a tomar gasosa – um líquido bordô, servido em um copo grande, misturado com gelo – que eu, pelo menos, só em Natal podia saborear, os olhos no Bar ao relento, a servir galinha,  a representar um mundo ao qual não tinha acesso.           

    Depois, botei bigode, e me limitei as cercanias da onda, onde as meninas se concentravam. Uma troca de olhares – e foram tantos e tantas -, ou a esperança de ver algo das pernas delas, quando subiam e a parte da onda estava no alto. O mundo do namoro ainda se assinalava pela inocência e distância. Os olhos falavam de longe, na comunicação dos sinais de aprovação que deixavam escapar.           

    A feirinha se mudou para outra praça e eu a segui, me conservando preso a onda, até que, num Natal, pude ver Helder e Iana nos mesmos carrinhos em que eu andei, e, instintivamente, todos os natais dos meus tempos de menino desfilaram a minha frente, enquanto, com a máquina fotográfica em punho, ao clicá-los, em verdade, era como se me fotografasse, exatamente ali, naquela mesma idade.