O rádio digital do meu banheiro

      O rádio digital do meu banheiro, mesmo desligado, emite sons, o suficiente para se distinguir a fala do canto. Há outros rádios digitais em minha casa [retrato de minha mania pela hora que passa], e só o do banheiro, exclusivamente este, é conversador, mesmo quando não está acionado. No início, pensava que não tivesse sido desligado. Puro engano. Passei a encarar o fato como um fenômeno para o qual não encontro explicação devida. É como se alguém, de boca fechada, falasse e/ou cantasse. A mesma coisa, aliás. Só que, no caso do rádio, os sons brotam, mas não se entende o que se fala nem ou o que se canta.

     Esclareço um aspecto: não é toda hora. Durante a manhã, o rádio, como um papagaio palrador, tagarela baixinho. À tarde, a voz desaparece durante a maior parte do tempo. E, à noite, fica calado, como se já estivesse cansado, e, se recolhesse ao silêncio, como o frade que, na solidão de sua cela, dedica grande parte do tempo para as suas orações cotidianas.

       Não sei se o mesmo fenômeno acontece em outras residências. Ainda não me arrisquei a pesquisar. Os demais rádios digitais de minha casa são silenciosos, a ponto de, cotejado com o do banheiro, poderem ser considerados como mudos ou discretos. Mas, o do banheiro, em absoluto, desafia minha curiosidade na proliferação de falas e de músicas, como se não suportasse ficar em silêncio, e, mesmo desligado, ainda conservasse, por muito tempo, um pouco de vida, melhor dizendo, de som.

   Antes, pensava também cuidar-se de algum espírito, ali dentro, que gostasse de programas radiofônicos e, deste modo, estivesse a externar seus desejos recalcados de locutor ou de cantor. Mas, depois, cheguei à conclusão de que espíritos não agem assim, e, ademais, pela manhã, se, na concepção popular, só ataca no período noturno, de preferência no escuro, detalhe que, no caso do meu rádio digital, não ocorre. Então, é algum fenômeno eletrônico, no duro, ao qual me rendo à insignificância da pouca ciência portada.

        Nunca antes tinha visto um rádio desligado emitir som. Em menino, o de lá de casa, de marca RCA Vitor, coisa assim, para falar, às vezes, de preguiçoso que era, tomava uns tapas. Muitas vezes, para ouvir a transmissão, o jeito era encostar o ouvido no rádio, para captar uma ou outra palavra, a chiadeira sendo maior do que o som, além de exigir antena especial, erguida no oitão da casa, bem no alto, o fio preto descendo do telhado.

         Mas, tudo bem. Se o rádio digital do meu banheiro quer falar, seja feita a sua vontade, assim na terra, como no banheiro, a qualquer hora do dia. Não me incomoda em absoluto porque ali só se vai em momentos bem determinados. O que me preocupa é ir a geladeira, no meio da noite, atrás de água, e dela ouvir uma manifestação: - Com sede, hein, meu amigo? Bom, aí não sei qual será minha reação. Se respondo e mantenho um diálogo, ou, -  ninguém se ponha a rir, - se corro para bem longe.