O tomador de cerveja em bar de calçada

     Morro de inveja das pessoas que estão em bar de calçada, cerveja na mesa, copo cheio, sem relógio no pulso, a bater papo, conversando sobre o nada  e sobre o tudo, o diálogo vazio, a xingar o governador, taxando todo político de ladrão, certo de que secretário de governo rouba, a língua afiada como uma faca de sapateiro, a girar, permanente, por todos os lados, na certeza de que o radialista, a denunciar a falta de água em bairro de classe pobre, é um herói, assegurando, de logo, que vai votar nele, herói de plantão, e, entre um gole e outro, a carteira de cigarro aberto, a boca expelindo fumaça e enchendo o pulmão de nicotina, a sensação de uma aposentadoria que dura enquanto a morada no cemitério não acena.

      Mas, me falta tempo, sem falar na impaciência para ficar ali sentado, conversando miolo de pote, a vida passando, o relógio andando, a barriga crescendo, o mesmo papo, a cerveja sempre gelada, e o homem, em lugar de produzir, está ali, gastando sua aposentadoria, a cadeira cativa na calçada, a sombrinha a proteger do sol inclemente, e ele, plantado, fixo como um poste de energia elétrica, vendo o tempo se movimentar, e, de modo oblíquo, a esperar a morte.

    Tenho sempre algo para fazer, as vinte e quatro horas do dia se tornando pequenas para tanto projeto, sem parar a mente em momento algum, o relógio a denunciar a passagem das horas, e, com elas, o tempo, a alertar para um somos eternos porque as páginas são infinitivas e a morte é página muito a frente, sem mais abrir espaço para uma cerveja na calçada de um bar de esquina, bar humilde, mas de bebida gelada.

      Talvez a minha inveja é por estar permanentemente acordado, prisioneiro do tempo, na tentativa de construir centenas de castelos, quando o homem que vejo no bar é um anônimo de escassa e rara leitura, detentor de aposentadoria de parcos rendimentos, cujo projeto de vida se perfaz com o quase nada, o chinelo fora do pé, a camisa, fedendo de suor de vários dias, aberta e fora da calça, a barba para fazer, o cabelo despenteado, insatisfeito com o pouco que recebe da previdência social, sem nenhuma ambição na vida, salvo sorver a cerveja na cadeira de um bar de esquina.

      Por isso continuo tendo inveja do homem simples, que nem ganha bem nem paga imposto de renda, de imposto predial pequeno porque a casa é humilde e desvalorizada, tendo por herói maior o juiz que coloca bandido rico na cadeia, na suposição de ser o homem certo para consertar a pátria combalida,  e, na hora do voto, afunda na onda que a campanha eleitoral fabrica, sem consciência da importância do voto. Em encarnação futura, serei o homem simples, de sonhos limitados, carteira de cigarro na mesa, cerveja no copo, no bar de  calçada, um vagabundo que a aposentadoria vai sacramentar.